Existem duas queridas pessoas na vida de cada um de nós, que são únicas e que estão envolvidas conosco desde antes de nascermos; e que foram muito participativas e prazerosamente ativas desde o projeto de nosso vir-a-ser. E que, apesar de não termos mais uma relação de dependência, ficarão ainda envolvidas conosco até o dia em que deixarem esse mundo em direção à vida eterna. E, por incrível que possa parecer, depois disso também.
Quem são estas pessoas? Nossos pais. Nossos amados pais! Nossos às vezes nem tão amados pais! De qualquer maneira, mesmo que nos custe o que custar, procuramos sempre nos orientar pelo 4o. Mandamento da Lei Moral de Deus, que diz: “Honrarás a teu pai e a tua mãe, para que vás bem e vivas muito tempo sobre a terra” e que foi assim explicado por Martinho Lutero, no Catecismo Menor: “Devemos temer e amar a Deus e, portanto, não desprezar, nem irritar nossos pais e superiores; mas devemos honrá-los, servi-los, obedecer-lhes, amá-los e querer-lhes bem”. Pode estar aí a principal fonte que “abastece” o sentimento de culpa de cada dia.
Quando nascemos, nossas características físicas já estavam todas pré-determinadas por nosso código genético: cor dos olhos, altura, tamanho do nariz, etc. Porém, nossos conceitos e preconceitos, relativos ao que é certo e errado, ao bonito e feio, ao bom e ruim, e tudo o mais que passou a ser o nosso jeito de ser foi apreendido, adquirido, assimilado, inculcado em nós principalmente por essas pessoas ímpares em nossas vidas: nossos pais. E junto a eles, ou na ausência deles, também por seus substitutos.
Por sermos dependentes de nossos cuidadores (normalmente nossos pais), desde que nascemos e por um bom tempo vamos assimilando (verbal e não-verbalmente) os valores e conceitos com os quais eles vão nos educando – sendo que é o resultado disso que internalizamos como sendo o que é o certo. E não poderia ser diferente pois, segundo aprendemos, nossos pais são os representantes de Deus em nossas vidas (difícil tarefa a deles!). E, desta maneira, sentimo-nos amados, sempre que atendemos às suas expectativas. Do contrário, cada vez que descumprimos ou não atendemos a essas determinações internalizadas, sentimo-nos culpados.
Não raro, passamos a nos perturbar e a ouvir a famosa “voz da consciência” que no fundo, no fundo, não é outra coisa senão a voz de nossos pais dentro de nós, exigindo – ou pelo menos esperando – o cumprimento daquilo que nos ensinaram. Muito do conteúdo dessa “voz da consciência” vem da própria Lei Moral, dos 10 Mandamentos de Deus que, de forma natural e correta, nossos pais também nos ensinaram e inculcaram.
Mas nem todo o conteúdo desta “voz da consciência” está ligado ou vinculado aos sagrados 10 Mandamentos, uma vez que ela simplesmente também está permeada por princípios, desejos, conceitos, preconceitos e pontos-de-vista particulares de nossos pais. Pela sua própria condição humana – e por mais amor e carinho que tivessem em suas intenções – nossos pais não puderam se livrar de equívocos nestes ensinamentos e, acreditando-se certos, passaram a exigir (ou pelo menos, a esperar) seu cumprimento com a mesma verdade e seriedade dos 10 Mandamentos de Deus. Assim, quanto mais rigorosos e rígidos foram nossos pais, mesmo bem intencionados, mais e maior será nossa autocobrança pessoal e interior.
Quando nos tornamos adultos e independentes, ou mesmo depois dos pais virem a falecer, esse código de mandamentos tende a permanecer ativamente internalizado, sem que saibamos distinguir bem o que é dos pais e o que é de Deus.. Se não nos confrontarmos madura e sadiamente com este código, adotando as adaptações, adequações e correções cabíveis, ele continuará determinando nossas ações, sendo uma
das principais fontes do sentimento de culpa de cada dia.
Quem sabe, não será por isso que algumas pessoas têm uma imagem pessoal, uma sensação, ou um sentimento de um Deus rigoroso, difícil; um cobrador implacável?! E que, por conseguinte, exige “bom comportamento” para nos perdoar, aceitar e amar?!
Quem sabe seja por isso que, às vezes, é tão difícil entender o amor incondicional de Deus (somos meio simpatizantes do irmão do filho pródigo), que nos aceita, perdoa e ama, sem exigir condições prévias, nos garantindo, somente pela fé “que o sangue de Jesus, seu Filho, no purifica de todo pecado” (1 Jo 1.7)?!
Certamente ficamos encantados e agradecidos pelo perdão completo que Deus oferece a todos seres humanos, indistintamente, maravilhosamente descrito no episódio junto à mulher adúltera arrependida: “... onde estão teus acusadores? Então lhe disse Jesus: nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais” (Jo 8.10,11).
Que cada um de nós, como conseqüência e também movido pelo amor, faça sempre o mesmo consigo mesmo, isto é, deixe de se condenar e se perdoe completa e misericordiosamente!
* Pastor-psicólogo, responsável pelo
Centro de Avaliação e Aconselhamento Pastoral e
Psicológico (CAAPP) do Seminário Concórdia de
São Leopoldo-RS. Clínica Psicológica em Porto
Alegre-RS.
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